Antes de começar a escrever este
texto eu quero deixar uma coisa bem clara: eu adoro futebol! Adoro assistir aos
bons (e nem tão bons assim) jogos da Libertadores, sempre fui fã da seleção
brasileira, mesmo quando ela não estava em alta como agora, e torço muito pelo
meu time do coração (meu coração, aliás tem um espaço para o Galo, que também
me faz torcer bastante). Dito isso, vou começar a tentar explicar meu ponto de
vista.
O futebol, como esporte, é
realmente muito empolgante. Assistir a um jogo bem jogado, com toques bonitos
de bola é muito prazeroso! Ver o Neymar e o Messi em campo é quase uma
sinfonia, é arte. É como uma banda de jazz, no momento daquele solo tão
esperado e tão inacreditavelmente bem colocado. É como uma pintura que mistura
cores tão diferentes e fica tão harmoniosa e transmite tanta beleza.
O grande problema é o que o
futebol representa como um todo. Existe a questão do lucro, com transações
milionárias, gastos exorbitantes e jogos superfaturados e existe também a
questão da manipulação, já que o futebol gera uma paixão incontrolável e paixão
incontrolável nunca deixa a gente em sã consciência.
Há bastante espaço no nosso
cérebro para as duas coisas: sermos críticos e gostarmos do futebol. Mas
novamente afirmo, devemos ser críticos. O que é ser crítico? É acreditar que a
seleção brasileira representa nosso país? É acreditar que eles estão ali por
amor à amarelinha? A "culpa" não é do esporte em si, mas do que ele
se tornou, de tudo que vem junto quando falamos sobre o futebol. Ninguém é
menos brasileiro do que o outro só porque não torce pela seleção ou porque não
gosta de futebol. E também digo ao contrário. Ninguém é mais inteligente que o
outro só porque tem esse senso crítico. O futebol se tornou uma “entidade” na
cultura brasileira. Nossa identidade de brasileiro foi construída através do
futebol e essa característica já está arraigada, é difícil pensar diferente. Os
jogadores, parte desse mercado, não são os vilões. Eles estão trabalhando,
fazendo o que mais gostam: jogar futebol. Mas é impossível negar que eles
acabam se tornando mais uma ferramenta de manipulação; não por eles. Sócrates,
um lúcido no meio de tanta cegueira, disse certa vez: “A ignorância dos
jogadores é estimulada pelo sistema. A ele não interessam profissionais com
possibilidade de crítica”. O futebol deixou de ser esporte pelo esporte.
Desde que você tenha consciência
de que algo aliena, todas as ferramentas “alienantes” tem seu efeito amenizado.
Conseguem me entender? Se eu vejo novela, jornal do PIG (Partida da Imprensa
Golpista), Big Brother ou futebol e não tenho consciência do perigo dessas
ferramentas de manipulação, eu fatalmente vou me tornar um manipulado. Porém,
se eu assisto e sei que aquilo é porcaria/ópio/ferramenta de manipulação/etc e
eu estou usando como entretenimento, ótimo, chegamos ao ponto. Temos que nos
livrar um pouco da carcaça de fã do futebol para tentar entender o que ele
representa. Quando estamos envolvidos numa paixão é difícil compreender porque
estamos tão envolvidos. Mas porque o futebol é uma paixão nacional? Nós
nascemos amando o futebol ou isso é algo criado? Vou tentar dar um exemplo.
Aqui no Brasil criou-se uma máxima de que “o brasileiro é apaixonado por
carros”. Mas será que é mesmo? Será que o brasileiro não gosta tanto de Fórmula
1 porque a Globo transmite o esporte nas manhãs de domingo? Será que se nunca
tivesse passado uma corrida de F1, com narração do Galvão, essa “paixão” seria
natural? Nada é natural, tudo é naturalizado. Ninguém nasce amando carros ou amando
futebol. Isso tudo é inserido na nossa cultura e claro, algum objetivo tem.
Em 1970, que alegria, Brasil tri
campeão do mundo. Mas enquanto isso, a ditadura militar comia solta e o
sentimento de nacionalismo pela seleção foi incentivado pelo governo e pela
mídia, para tentar amenizar as dores causadas por um período de tanto
sofrimento. Torturas, prisões, espancamentos, e Carlos Alberto levantando a
taça no México, "dando alegria" para o povo brasileiro. Na Argentina
em 78, a história se repetiu e Blatter, após um comentário do secretário geral
da FIFA que disse que democracia demais atrapalha a Copa, fez a seguinte
declaração: "A minha primeira Copa do Mundo com envolvimento direto foi a
da Argentina, e eu diria que fiquei feliz com o título dos argentinos. Houve
uma reconciliação do povo com o sistema político militar da época". O
sistema político a que ele se refere é a ditadura militar.
Ontem, dia 30 de junho de 2013,
foi a final da Copa das Confederações. Enquanto quase 80 mil pessoas estavam
dentro do Maracanã torcendo pela seleção, outros milhares estavam do lado de
fora protestando contra os gastos absurdos do país com a Copa. E não venham me
falar que esse dinheiro é só da iniciativa privada, pois não é. O governo
financiou estádios para empresas (que vão ou não pagar - não sabemos), liberou
verba extra para gastos que não estavam previstos, aumentou o gasto com PAC,
além dos gastos das próprias cidades-sede. O nosso ilustre Ronaldo mesmo disse,
em 2011: "Hospital não faz Copa do Mundo". Essas pessoas que estavam
do lado de fora protestando queriam chegar perto do Maracanã para o protesto
ser mais visto, para ter mais repercussão, mas foram brutalmente barradas pela
polícia carioca, que, aliás, eram 11 mil homens nas ruas. Bombas, tiros,
sprays, tudo isso pra não deixar o povo (que por mais que fosse minoria, representa
muito mais a realidade do que quem estava dentro do estádio) chegar perto do
Maracanã. Esse pessoal que apanhou da polícia só para não chegar perto dos
estádios "da FIFA" são tão brasileiros quanto os que estavam torcendo
dentro dos estádios. São tão brasileiros quanto eu ou quanto você. Ali há uma
reclamação válida e importantíssima, pois nosso país é largado às traças, a
saúde está abandonada, os hospitais estão sem recurso, as escolas sem materiais
didáticos e estrutura. Mas, quando o assunto é futebol, queremos nos mostrar
como um país justo e cheio de dinheiro. Eu não consigo ficar feliz em ver como
o Maracanã ficou lindo. Sim, ele ficou lindo, espetacular. Mas pra fazer o Maracanã,
muita gente foi sacrificada. O dinheiro que poderia ter ido para o tratamento
da menina da favela que está doente foi para o assento do estádio; os índios foram
expulsos do Museu do Índio, que agora vai ser transformar em Museu Olímpico.
Muita gente foi prejudicada para a construção dos estádios da Copa e o país não
teve melhorias, como prometido. Por isso eu não consigo ficar feliz vendo a
seleção sendo campeã, por mais que eu vibre com os belos gols de Fred e Neymar.
Pois quem está sendo campeão é um sistema de segregação, que traz miséria, que
traz sofrimento, mas que só mostra alegrias em forma de gols e vitórias.
Além de tudo isso, há muita
corrupção no mundo do futebol. A corrupção no Brasil não é exclusiva dos
políticos. CBF, FIFA, Ricardo Teixeira, comissão na venda de jogadores, são alguns
dos assuntos que envolvem esquemas de corrupção e enriquecimento, pois afinal,
o futebol se tornou um mercado. A FIFA, que é uma entidade "sem fins lucrativos",
hoje soma 3 bilhões em caixa. E para alguém ter 3 bilhões em caixa, outras
pessoas têm que ter nada. E olha, se tem um povo que tem pouco em caixa e em serviços
básicos, como saúde, educação e transporte, é o povo brasileiro. Somos um povo
abandonado, o “público” é sempre abandonado. O privado é sempre valorizado. O
nosso futebol se tornou uma projeção do que queremos ser e não do que somos.
Nós não somos esses estádios lindos da Copa. Nós não somos esse sistema de
segurança absurdo que tem em grandes eventos. Nós não somos tão felizes quanto
parecemos nos filmes da FIFA.
Sim, você tem todo o direito de
torcer. Mas torça sabendo que a seleção não é um símbolo de patriotismo.
Ninguém é mais brasileiro por amar a seleção brasileira. Sim, você pode torcer
e ser crítico ao mesmo tempo. Mas faça isso com lucidez. Não se cegue diante de
um belo gol ou de uma bela atuação, pois eles são irresistíveis. O futebol é
irresistível e esse é o maior perigo.
Foto: AP Photo
Entorno do Maracanã enquanto acontecia o jogo da final da Copa das Confederações