quarta-feira, 3 de maio de 2017

Diz-me teus heróis e te direi quem és

Há quem acredite que o futebol se resolve em campo. Que não há espaço para ele em outros setores da sociedade. Que engano! O esporte que rege a vida de milhões de brasileiros, entre jovens e adultos, comumente é um instrumento político importante e perigoso.

Não há como negar que vivemos em uma cultura do ódio, com esse sentimento se firmando e reafirmando cada dia mais na nossa sociedade. Seja o ódio político, o ódio estrutural, o ódio social e outras tantas formas de diminuir as minorias que em números compõem majoritariamente o nosso país.

Aí entra o nosso personagem. Felipe Melo. Negro. Jogador de futebol. Vítima de racismo. De origem humilde. Cristão. Polêmico. Raivoso. Desprezado pelos brasileiros após o fracasso na Copa. Esquecido. Que retornou. Que repentina e inexplicavelmente virou ídolo.

Estou há alguns dias pensando sobre Felipe Melo. O quanto me incomoda Felipe Melo. O quanto me assusta Felipe Melo. E o quanto é perigoso Felipe Melo se declarar eleitor de Jair Bolsonaro.

 Foto: Agência Brasil

De volta ao futebol nacional pelo Palmeiras, o atleta causa polêmicas entre as quatro linhas e fora delas. Suas declarações são geralmente relacionadas ao discurso comum do ódio: “vou dar porrada”, “se tiver que dar tapa na cara”, além de comentários machistas desde a época em que jogou na seleção brasileira. O temperamento do meio-campista já era conhecido por quem acompanha futebol, mas ultimamente ele tem deixado claro seu posicionamento político. Em uma ocasião se declarou favorável aos militares. Após a greve geral chamou de vagabundo as “pessoas que querem tumultuar o nosso país”. Por fim, declarou apoio a Jair Bolsonaro.

Cada um tem direito ao seu posicionamento pessoal, independente da profissão, cor ou orientação sexual. Mas qual o perigo de um novo ídolo de um time tão importante declarar apoio a um homem que brada abertamente contra gays, mulheres, negros, indígenas e qualquer outro tipo de minoria? Bolsonaro é a representação real do ódio na sociedade. Bolsonaro é a representação da intolerância, do machismo, da homofobia, da transfobia. Apoiar Bolsonaro é apoiar o ódio, é apoiar a luta contra os direitos dos que podem menos.

Os discursos de Bolsonaro e Felipe Melo são alinhados, andam juntos, lado a lado. É o discurso do ódio, da raiva, de resolver na briga, de não pensar no outro. É o discurso da intolerância, do clichê, do lugar comum. Da falta de amor, da falta de olhar pro lado, da ausência de empatia.

Mas sabe aquela história do oprimido que quer se tornar opressor? Felipe Melo entende que ele é um negro apoiando um homem que disse que “negros quilombolas não servem pra nada, nem para procriar”? Felipe Melo entende que ele é um cristão que apoia um homem que “seria incapaz de amar um filho homossexual”? Felipe Melo entende que veio de origem pobre e está ao lado de um sujeito que afirma que “parlamentar não deve andar de ônibus”?

O futebol muitas vezes cega. Ganhar meio milhão de reais por mês cega. Ter morado em vários países e falar várias línguas cega. Viver rodeado de gente influente, rica e poderosa cega. Mas a realidade continua ali. Escancarada, sem vendas nos olhos. Enquanto o ídolo apoia um sujeito que clama pelo que há de pior na sociedade, o fã ocupa o lado oposto. Vive na pele o que há de pior. Tem seus poucos direitos diminuídos. Tem sua liberdade cerceada. Tem sua dignidade colocada à prova, dia a dia.

O que se resolve em campo? O que vai para fora dele? A construção de um ídolo é algo que vai muito além do gramado e que rege fortemente a vida do torcedor. É possível desconstruir os valores em detrimento de uma paixão? É possível ver a postura do jogador em campo e não compará-la com a postura fora de campo? É possível separar o atleta da pessoa? É possível separar futebol e política? Para mim todas as respostas são “não”.

Por fim, deixo uma importante pergunta até então sem resposta: é necessário e possível escolher um lado?

*Depois de muitos anos voltei a escrever sobre futebol. Até tentei ficar longe dele, mas fui puxada de volta porque tem tanta coisa dando errado que ficou impossível não comentar! ;)

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

#Fechadoscontraopreconceito

Foto: Globoesporte.com

Não dá para negar que o futebol é um esporte democrático. Mas também não dá para negar que é o esporte mais desigual. Democrático porque dá para jogar em qualquer lugar, sem uniforme, até mesmo improvisando uma bola. Desigual porque de um lado há uma massa de fanáticos induzidos que se preciso for dão a vida pelo clube do coração (já falamos isso no post “Sobre fanatismo e chuteiras”, lembram?) e do outro, engravatados, cartolas, patrocinadores e jogadores que só enriquecem com a “paixão nacional”. Tem alguma coisa errada nessa conta.

Dentro dessa massa fanática há jovens, velhos, pobres, ricos, mulheres, homens, heterossexuais, homossexuais, gordos, magros, negros e brancos. No momento em que a bola rola todas essas pessoas tão diferentes entre si se misturam e compartilham um sentimento. No dia a dia há discriminação por classe, há misoginia, há homofobia, há todos os tipos de preconceito imagináveis. Mas quando o juiz apita o início do jogo o rico abraça o pobre, o branco abraça o preto e até as mulheres são bem recebidas nos estádios.

Mas o preconceito continua lá. Ele não é apagado e aparece claramente nas provocações entre as torcidas, por exemplo. Isso já aconteceu no vôlei, com o jogador Michael do Cruzeiro, numa partida contra o Vôlei Futuro. Ele foi hostilizado pela torcida adversária pelo simples fato de ser homossexual. E na última quarta-feira um ato grotesco de preconceito aconteceu novamente. Dessa vez nos gramados, de novo com o Cruzeiro. Na partida entre Real Garcilaso e Cruzeiro no Peru, o volante Tinga foi humilhado pelos torcedores rivais. Toda vez que ele tocava na bola, os torcedores imitavam macacos.

Como a maioria dos jogadores de futebol no Brasil, Tinga é negro. Veio de uma família muito humilde de Porto Alegre. Foi criado pela mãe faxineira junto com seus quatro irmãos. História que se mistura com a da maioria dos brasileiros. Quando Tinga se tornou jogador profissional, a vida começou a ser mais suave com essa família. Mas ele nunca vai deixar de ser preto. Ele nunca vai poder apagar o passado sofrido. 

A questão negra no Brasil é muito complicada. Os negros são a maioria no nosso país e são os que mais sofrem. Os negros são 70% das vítimas de assassinatos no Brasil. A remuneração dos negros corresponde a 63,9% da remuneração dos brancos. Dos negros no mercado de trabalho, apenas 11,8% tem ensino superior. Quem tem a pele escura ocupa as profissões mais precarizadas e isso já vem desde a formação cultural do Brasil. Por todos esses dados (para quem gosta mais de números do que de fatos) dá pra ver quem está em desvantagem no nosso país. Não é só o racismo que tem que deixar de existir. É a desigualdade. É esse abismo absurdo que acontece entre classes e cores.

Nessas horas é que dá para explicar para os desavisados que as minorias não querem benefícios. Querem igualdade. O Tinga quer jogar bola sem ninguém ficar falando sobre a cor da sua pele. O gay quer escolher com quem ele quer se relacionar sem ninguém ficar se intrometendo. A mulher quer ir trabalhar sem ser assediada no metrô.

 Há muita desigualdade, é só olhar ao redor. Enquanto não lutarmos contra os preconceitos a vida será cada vez mais dura, cruel e desigual. Estamos #fechadoscomotinga. Mas também deveríamos estar #fechadoscontraoracismo, #fechadoscontraahomofobia, #fechadoscontraamisoginia e por aí vai. Pois como o Tinga disse lindamente: “Eu trocaria todos os meus títulos por uma igualdade em todas as áreas, em todas as classes”.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Sobre fanatismo e chuteiras

Fico me perguntando: por que num país onde o futebol é exaltado e tratado com um fanatismo exacerbado as pessoas se chocam quando se deparam com cenas como as que aconteceram em Joinville no jogo entre Atlético/PR e Vasco? Por que num país, em que dizem, é a “pátria de chuteiras” as pessoas ficam indignadas quando algum torcedor morre depois de brigas entre torcidas? Por que no país que tem como a maior referência ser cinco vezes campeão do mundo no futebol a população não entende como as torcidas organizadas são tão violentas?

O fanatismo pelo futebol é um problema muito sério. Aliás, o fanatismo por qualquer coisa. Mas pelo futebol é especificamente perigoso. Esses fanáticos não têm outra vida: vivem pelo time, se for preciso morrem pelo time, ou mais ainda, matam pelo time. Mas será que a culpa é totalmente deles? Vivemos numa sociedade de desigualdades. Enquanto uns tem muito com o que ocupar a mente e o corpo, outros não têm quase nada. E, muitas vezes, a estes resta se dedicar a ser torcedor, a construir sua identidade em torno desse rótulo. Mas o que é ser torcedor, por que ser torcedor? Não dizem que futebol é entretenimento? Sofrer, chorar, brigar, tudo isso já passa da linha do entretenimento e chega num ponto delicado, em que muitos homens e mulheres se encontram nesse exato momento.

 Foto: Site ESPN

O que vem dando errado no futebol brasileiro?

Fomos construídos numa sociedade em que somos obrigados a gostar de futebol, a escolher um time para torcer. E desde pequenos ouvimos que “o Brasil é o país do futebol”. Além disso, duas vezes por semana são transmitidos na TV aberta jogos de futebol, nos noticiários se fala sobre isso a maior parte do tempo. E também, em cada esquina tem meninos jogando futebol, falando sobre futebol, querendo ser jogador de futebol. Temos músicas falando sobre a paixão pelo futebol, filmes, personagens de TV. Como não acreditar nisso? Não tem como se desvencilhar. Fomos construídos assim e cabe a nós tentar nos libertar.

Essa libertação do fanatismo pelo futebol é muito difícil, principalmente para os homens. Homem que não tem um time do coração é “menos homem”. E quando faz parte de uma torcida organizada esse homem se sente ainda mais poderoso, é capaz de tudo pelo clube. Se esse homem é de uma classe social mais desfavorecida, o fanatismo costuma ser ainda maior. A vida deles é o clube do coração. Como futebol é, pelo menos na teoria, um esporte barato, de fácil acesso, homens de classes sociais mais pobres são facilmente atingidos por esse meio de dominação. Porque não dá pra negar que o futebol é uma forma de dominação de classes no nosso país. Temos uma massa de trabalhadores que gasta toda a sua energia com o esporte, torcendo, assistindo, indo ao estádio, jogando... Essa mesma massa não têm tempo e nem disposição para pensar na sua condição, sua condição de explorado que não diminui apenas por sermos o país do futebol.

Antes de nos chocarmos com cenas tristes e lamentáveis como as do jogo entre Atlético/PR x Vasco temos que nos chocar com o nosso vizinho que trata mal a mulher dele quando o time perde, temos que nos chocar com nosso parente que entrou em depressão quando o clube foi rebaixado, temos que nos chocar com aquele amigo que se preocupa mais com o jogador do seu time do que com o morador de rua que vive do lado da casa dele. Não podemos naturalizar essa ideia de que somos o país do futebol e nascemos com isso no sangue. Podemos curtir, vibrar, torcer, mas nunca naturalizar. Enquanto o fanatismo por futebol existir e for constantemente alimentado, brigas, choros e mortes também vão existir, manchando cada vez mais o que chamam de “paixão nacional”.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A nada rentável supremacia mineira

Atlético/MG campeão da Libertadores. Cruzeiro campeão do Brasileirão. Tem alguma coisa errada aí, não? Como deixaram dois times mineiros que não têm a mídia e a receita de outros grandes dominarem o cenário futebolístico do ano de 2013? Saiu totalmente dos planos da CBF e da Globo, que como sempre planejavam um ano com vencedores do eixo Rio-São Paulo.

                                                                   Charge: Dum Ilustrador

O que deu errado?

Vamos tentar entender o que foi esse ano para o futebol e todo o dinheiro envolvido nisso.

Desde a temporada de 2012 os clubes passaram a negociar individualmente suas cotas de transmissão na TV (leia-se – quanto a Globo paga para cada time pela exibição de seus jogos). O valor é estabelecido de acordo com os critérios de cada time; o que se acha bonzão pede mais, os mais “humildes” pedem menos e a Globo analisa se vale ou não. No fim das contas, todo ano Corinthians e Flamengo estão na lista dos mais bem pagos, com valores que são quase o dobro de times de expressão, como Botafogo, Fluminense e os próprios Cruzeiro e Atlético/MG. Essas cifras das duas maiores torcidas do país giram em torno de 100 a 150 milhões e o direito a transmitir mais e mais jogos de Corinthians e Flamengo.

Veja o gráfico com as cotas de TV e publicidade - Fonte: Estadão

Corinthians e Flamengo são os clubes com as maiores torcidas do Brasil, têm torcedores de Norte a Sul do país. Por que será? Será que é porque são os times que mais têm jogos transmitidos pela Globo? Será que é porque a Globo é a emissora que domina os lares das famílias? Tudo isso cria um ciclo, já que quanto mais jogos desses clubes a Globo transmite, mais renda eles têm, mais investimento conseguem fazer e aparecem cada vez mais. O bom futebol é uma outra história. Em 2012 o Corinthians até fez jus ao investimento, mas em 2013 tanto o time paulista quanto o carioca estão decepcionando patrocinadores e torcedores, com atuações medianas e sem nenhuma expressão.

O meia Alex, sem papas na língua, disse em entrevista recente que "quem cuida do futebol brasileiro é a Globo (...) A CBF é apenas uma sala de reunião”. E é isso mesmo que acontece na realidade. O calendário esportivo é marcado de acordo com a novela da Globo. Os jogos de quarta-feira começam no absurdo horário de 21h50 e terminam por volta da meia noite, quando já não tem mais transporte público e o torcedor (que antes de ser torcedor é um proletário) tem que se virar para chegar em casa e ainda acordar cedo no dia seguinte.

Mas por que estamos falando sobre isso?


O ano de 2013 foi uma grande decepção para a Globo e para a CBF. Os times mineiros tiveram um ano irretocável, com atuações espetaculares nos campeonatos que venceram. O Galo na Libertadores fez jogos emocionantes, reverteu resultados improváveis e brigou até o último segundo pelo título. Já o Cruzeiro fez um campeonato impecável de ponta a ponta, com toda a lucidez de um campeão, a competência de um ataque preciso e um time bem montado.

Minas Gerais está em festa. Os times do estado são os melhores do Brasil, sem dúvida. Em elenco, em vontade, em competência. Mas o que vimos quando o Cruzeiro foi campeão do Brasileiro? Uma matéria de 2 minutos no Fantástico? Notinhas nos jornais da semana? Estou esperando como vai ser no Mundial com o Atlético. Com certeza nada comparado ao que foi com o Corinthians no ano passado, em que a Globo literalmente parou, seja para transmitir os jogos ou fazer uma cobertura exaustiva, com reportagens a todo minuto e em todos os jornais.

É uma balança que está pendendo para um lado só. E não venham falar que é porque “Corinthians e Flamengo são os maiores times do país”. Em números, é claro que são, mas isso foi construído. E foi construído por uma emissora que gira no eixo Rio-SP não só no futebol, mas em todos os outros aspectos, ignorando a pluralidade do Brasil e as diferentes e diversas regiões do nosso país. Enquanto isso, os times mineiros estão reencontrando o caminho dos títulos nacionais e estão na briga para conquistar o lugar que merecem, junto com “os grandes”.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O culto do macho

Sempre gostei muito de futebol, desde pequena. Filha única de um pai apaixonado pelo esporte, cheia de primos que jogavam bola e assistiam às partidas e vivendo em uma família que sempre discutiu sobre o esporte bretão. Fui fisgada e passei a fazer parte desse “culto” que é o futebol.

Primeiro passo: escolher um time. Na minha família há atleticanos, cruzeirenses, vascaínos, flamenguistas e meu pai, botafoguense. Pendi para o lado do Galo (que tenho um carinho enorme até hoje), mas fui escolhida pelo Botafogo, time mais charmoso do Brasil. Segundo passo: saber sobre futebol. Porque não adianta nada falar que gosta e não saber o que é impedimento e nem qual esquema tático o treinador do seu time está usando. Mas, como tudo na vida, se a gente vê sempre, está sempre em contato, acaba aprendendo.

Só que no meio disso tudo há um detalhe: sou mulher. E heterossexual. E fazer parte desse “culto do macho” sendo uma menina hetero é quase uma ofensa para os garotos e para a sociedade. Várias vezes fui chamada de sapatão (que antes eu considerava uma ofensa!),  me falavam que mulher deve gostar de dança, maquiagem e cozinha e não de futebol, enfim, sempre tentaram me deixar fora do “culto”, mesmo eu gostando e sabendo mais do esporte do que a maioria dos meninos.

Por que eu estou falando tudo isso? Porque queria contextualizar como o futebol é um meio machista. Não aceita mulheres, só homens! “Homem que é homem gosta de futebol!”. A primeira vez que meu namorado foi visitar minha família a primeira pergunta que fizeram pra ele foi: “Pra que time você torce?”. A resposta? “Brasil”. Sim, ele não torce por nenhum time (nem para o Brasil, na verdade rs) e isso para a minha família soou com grande estranheza, “como assim um homem não ter um time do coração?”.

E os gays, como ficam nessa história? Não ficam, simplesmente. Os gays não tem lugar no futebol. Os xingamentos nesse esporte são todos relacionados à escolha sexual: se o jogador cai muito é “mariquinha”, se é vaidoso é “viadinho”, a torcida rival chama os adversários de “Maria” (e olha que eu nem vou entrar no assunto dos xingamentos e atos sexistas, que também são muitos no mundo do futebol!). Sério gente, em 2013, vocês ainda acham que isso é bacana?

Aí vem Emerson Sheik, ídolo da torcida do Corinthians, o supra sumo do macho alfa, sempre rodeado de mulheres, carrões e festas, e publica na internet uma foto dando um selinho em um amigo. Um selinho. Em um amigo. Meu Deus, quanta polêmica. Meu Deus, pra quê tanta polêmica? Mas tudo bem, aconteceu e temos que tentar entender o porquê de tanto espanto. 


Como eu já disse, o futebol é um esporte machista e quando falamos machista, ele está deixando à margem tudo o que não for considerado homem. O torcedor, tomado pelo fanatismo (já debatido em outro post), acha que o time dele e seu elenco são um espelho da sua vida, das suas aspirações, dos seus anseios. Esse torcedor é cego, não consegue enxergar o mundo ao seu redor e só consegue ver sentido na vida se tiver algo relacionado ao seu time. Aí quando o Sheik dá um selinho no seu amigo e posta na internet ele fica revoltado, com raiva, já que aquele é o seu espelho e ele não quer ser chamado de gay.

Aí está outro ponto importante. O Sheik, hetero convicto, com filhos, namoradas, mulheres, affairs, na foto com seu amigo chef de cozinha, casado, com a mulher grávida, está sendo chamado de gay, como um xingamento. Não que isso seja da nossa conta, mas todo mundo sabe que ele não é gay. Então por que essa foto ofendeu tanto? Por que é tão absurdo assim dois homens demonstrarem carinho? Por que temos que seguir a cartilha da educação heterossexual e nos abster de provocar a sociedade?

Afinal, foi bom essa foto do beijo ter dado tanta polêmica. O que era um teste pra ver quanta conversa ia gerar, serviu como um ato político. Você se posicionar a favor de uma minoria é um ato político. Não é porque você não é gay que você não pode lutar pelos gays. Não é porque você não é pobre que você não pode lutar pela igualdade de classes. Não é porque você é homem que você não pode ser feminista. Não é porque você não é negro que você não pode aderir a causa do Movimento Negro. E por aí vai. A discussão gerada em torno dessa foto é válida para as pessoas começarem a entender que chamar de gay não é xingar, que ser gay não é ruim, que demonstrar carinho não é ruim, que tomar um partido não é ruim. Que ter preconceito é que é ruim.

Ninguém tem nada a ver com o que ninguém faz na intimidade. Não vamos procurar saber se fulano é gay ou se não é. Não vamos nos sentir ofendidos se alguém próximo da gente for gay. Vamos lutar pela igualdade. Vamos escolher ser tolerantes. E, para terminar, vou publicar o que um amigo corinthiano, o mais corinthiano que conheço, Ulisses, postou sobre tudo isso. É uma frase do Sheik:

"Cada um faz o que quer da vida."

(Marcio Passos de Albuquerque, o Emerson Sheik. Campeão mundial, campeão e autor de dois gols em uma final de Taça Libertadores contra o temido Boca Juniors, tricampeão brasileiro consecutivo, adulterou a idade, dono de uma macaca e de um carro importado contrabandeado e deu um selinho em um amigo pra ver o tanto de gente sem serviço que ficaria falando disso.)

Para ler mais sobre o assunto:


segunda-feira, 1 de julho de 2013

Futebol - paixão nacional

Antes de começar a escrever este texto eu quero deixar uma coisa bem clara: eu adoro futebol! Adoro assistir aos bons (e nem tão bons assim) jogos da Libertadores, sempre fui fã da seleção brasileira, mesmo quando ela não estava em alta como agora, e torço muito pelo meu time do coração (meu coração, aliás tem um espaço para o Galo, que também me faz torcer bastante). Dito isso, vou começar a tentar explicar meu ponto de vista.

O futebol, como esporte, é realmente muito empolgante. Assistir a um jogo bem jogado, com toques bonitos de bola é muito prazeroso! Ver o Neymar e o Messi em campo é quase uma sinfonia, é arte. É como uma banda de jazz, no momento daquele solo tão esperado e tão inacreditavelmente bem colocado. É como uma pintura que mistura cores tão diferentes e fica tão harmoniosa e transmite tanta beleza.

O grande problema é o que o futebol representa como um todo. Existe a questão do lucro, com transações milionárias, gastos exorbitantes e jogos superfaturados e existe também a questão da manipulação, já que o futebol gera uma paixão incontrolável e paixão incontrolável nunca deixa a gente em sã consciência.

Há bastante espaço no nosso cérebro para as duas coisas: sermos críticos e gostarmos do futebol. Mas novamente afirmo, devemos ser críticos. O que é ser crítico? É acreditar que a seleção brasileira representa nosso país? É acreditar que eles estão ali por amor à amarelinha? A "culpa" não é do esporte em si, mas do que ele se tornou, de tudo que vem junto quando falamos sobre o futebol. Ninguém é menos brasileiro do que o outro só porque não torce pela seleção ou porque não gosta de futebol. E também digo ao contrário. Ninguém é mais inteligente que o outro só porque tem esse senso crítico. O futebol se tornou uma “entidade” na cultura brasileira. Nossa identidade de brasileiro foi construída através do futebol e essa característica já está arraigada, é difícil pensar diferente. Os jogadores, parte desse mercado, não são os vilões. Eles estão trabalhando, fazendo o que mais gostam: jogar futebol. Mas é impossível negar que eles acabam se tornando mais uma ferramenta de manipulação; não por eles. Sócrates, um lúcido no meio de tanta cegueira, disse certa vez: “A ignorância dos jogadores é estimulada pelo sistema. A ele não interessam profissionais com possibilidade de crítica”. O futebol deixou de ser esporte pelo esporte.

Desde que você tenha consciência de que algo aliena, todas as ferramentas “alienantes” tem seu efeito amenizado. Conseguem me entender? Se eu vejo novela, jornal do PIG (Partida da Imprensa Golpista), Big Brother ou futebol e não tenho consciência do perigo dessas ferramentas de manipulação, eu fatalmente vou me tornar um manipulado. Porém, se eu assisto e sei que aquilo é porcaria/ópio/ferramenta de manipulação/etc e eu estou usando como entretenimento, ótimo, chegamos ao ponto. Temos que nos livrar um pouco da carcaça de fã do futebol para tentar entender o que ele representa. Quando estamos envolvidos numa paixão é difícil compreender porque estamos tão envolvidos. Mas porque o futebol é uma paixão nacional? Nós nascemos amando o futebol ou isso é algo criado? Vou tentar dar um exemplo. Aqui no Brasil criou-se uma máxima de que “o brasileiro é apaixonado por carros”. Mas será que é mesmo? Será que o brasileiro não gosta tanto de Fórmula 1 porque a Globo transmite o esporte nas manhãs de domingo? Será que se nunca tivesse passado uma corrida de F1, com narração do Galvão, essa “paixão” seria natural? Nada é natural, tudo é naturalizado. Ninguém nasce amando carros ou amando futebol. Isso tudo é inserido na nossa cultura e claro, algum objetivo tem.

Em 1970, que alegria, Brasil tri campeão do mundo. Mas enquanto isso, a ditadura militar comia solta e o sentimento de nacionalismo pela seleção foi incentivado pelo governo e pela mídia, para tentar amenizar as dores causadas por um período de tanto sofrimento. Torturas, prisões, espancamentos, e Carlos Alberto levantando a taça no México, "dando alegria" para o povo brasileiro. Na Argentina em 78, a história se repetiu e Blatter, após um comentário do secretário geral da FIFA que disse que democracia demais atrapalha a Copa, fez a seguinte declaração: "A minha primeira Copa do Mundo com envolvimento direto foi a da Argentina, e eu diria que fiquei feliz com o título dos argentinos. Houve uma reconciliação do povo com o sistema político militar da época". O sistema político a que ele se refere é a ditadura militar.

Ontem, dia 30 de junho de 2013, foi a final da Copa das Confederações. Enquanto quase 80 mil pessoas estavam dentro do Maracanã torcendo pela seleção, outros milhares estavam do lado de fora protestando contra os gastos absurdos do país com a Copa. E não venham me falar que esse dinheiro é só da iniciativa privada, pois não é. O governo financiou estádios para empresas (que vão ou não pagar - não sabemos), liberou verba extra para gastos que não estavam previstos, aumentou o gasto com PAC, além dos gastos das próprias cidades-sede. O nosso ilustre Ronaldo mesmo disse, em 2011: "Hospital não faz Copa do Mundo". Essas pessoas que estavam do lado de fora protestando queriam chegar perto do Maracanã para o protesto ser mais visto, para ter mais repercussão, mas foram brutalmente barradas pela polícia carioca, que, aliás, eram 11 mil homens nas ruas. Bombas, tiros, sprays, tudo isso pra não deixar o povo (que por mais que fosse minoria, representa muito mais a realidade do que quem estava dentro do estádio) chegar perto do Maracanã. Esse pessoal que apanhou da polícia só para não chegar perto dos estádios "da FIFA" são tão brasileiros quanto os que estavam torcendo dentro dos estádios. São tão brasileiros quanto eu ou quanto você. Ali há uma reclamação válida e importantíssima, pois nosso país é largado às traças, a saúde está abandonada, os hospitais estão sem recurso, as escolas sem materiais didáticos e estrutura. Mas, quando o assunto é futebol, queremos nos mostrar como um país justo e cheio de dinheiro. Eu não consigo ficar feliz em ver como o Maracanã ficou lindo. Sim, ele ficou lindo, espetacular. Mas pra fazer o Maracanã, muita gente foi sacrificada. O dinheiro que poderia ter ido para o tratamento da menina da favela que está doente foi para o assento do estádio; os índios foram expulsos do Museu do Índio, que agora vai ser transformar em Museu Olímpico. Muita gente foi prejudicada para a construção dos estádios da Copa e o país não teve melhorias, como prometido. Por isso eu não consigo ficar feliz vendo a seleção sendo campeã, por mais que eu vibre com os belos gols de Fred e Neymar. Pois quem está sendo campeão é um sistema de segregação, que traz miséria, que traz sofrimento, mas que só mostra alegrias em forma de gols e vitórias.

Além de tudo isso, há muita corrupção no mundo do futebol. A corrupção no Brasil não é exclusiva dos políticos. CBF, FIFA, Ricardo Teixeira, comissão na venda de jogadores, são alguns dos assuntos que envolvem esquemas de corrupção e enriquecimento, pois afinal, o futebol se tornou um mercado. A FIFA, que é uma entidade "sem fins lucrativos", hoje soma 3 bilhões em caixa. E para alguém ter 3 bilhões em caixa, outras pessoas têm que ter nada. E olha, se tem um povo que tem pouco em caixa e em serviços básicos, como saúde, educação e transporte, é o povo brasileiro. Somos um povo abandonado, o “público” é sempre abandonado. O privado é sempre valorizado. O nosso futebol se tornou uma projeção do que queremos ser e não do que somos. Nós não somos esses estádios lindos da Copa. Nós não somos esse sistema de segurança absurdo que tem em grandes eventos. Nós não somos tão felizes quanto parecemos nos filmes da FIFA.


Sim, você tem todo o direito de torcer. Mas torça sabendo que a seleção não é um símbolo de patriotismo. Ninguém é mais brasileiro por amar a seleção brasileira. Sim, você pode torcer e ser crítico ao mesmo tempo. Mas faça isso com lucidez. Não se cegue diante de um belo gol ou de uma bela atuação, pois eles são irresistíveis. O futebol é irresistível e esse é o maior perigo.

Foto: AP Photo 
Entorno do Maracanã enquanto acontecia o jogo da final da Copa das Confederações

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Qual o seu time do coração?

Depois de muito tempo, "O Que deu Errado FC" está de volta com uma abordagem diferente! Espero que gostem!





Capa do livro "Meu pequeno rubro-negro" de Gabriel o Pensador

Amor ao clube, paixão, fanatismo. Essas são palavras que fazem parte da vida do torcedor de futebol. Mas o que leva alguém a torcer por algum time? Se você acha que essa é uma escolha livre e pessoal, está na hora de rever seus conceitos.

A mídia bombardeia diariamente a todos de acordo com seus próprios interesses. Não pense que isso é uma teoria da conspiração, mas transmitir ou deixar de transmitir algo é uma linha editorial da empresa, uma escolha. No Brasil, a TV é o maior comunicador das casas. Inúmeras famílias utilizam a televisão como educador para os filhos, como meio de transmitir e formar opiniões.

Falando especificamente sobre o futebol, um fator muito importante que cerceia as escolhas esportivas no Brasil é a transmissão televisiva. Flamengo e Corinthians, as duas maiores torcidas do país, são os clubes com mais jogos transmitidos pela maior rede de TV do Brasil. Rede essa que durante muito tempo foi a única opção de canal em muitas localidades do país. Rede essa que “forma” a opinião de muitos. Coincidência?

Além disso, não podemos esquecer que o futebol é o maior alienador da nossa sociedade. É um forte instrumento utilizado para desviar as atenções de momentos políticos importantes e também para “aliviar” o sofrimento do brasileiro. Pois não há problema nenhum em viver uma vida repleta de deficiências e necessidades quando se tem o futebol mais respeitado do mundo. Falando dessa forma parece grave, não? Mas é o que acontece. E olha que o nosso futebol nem é mais o número um do mundo.

Os estados estão perdendo sua identidade, já que no Nordeste é mais fácil de encontrar um torcedor do Corinthians do que um torcedor do Vitória ou do Sport. Essa “sudestização” do futebol não permite que os outros times se desenvolvam e consigam entrar no cenário de “grandes clubes”.

Você sabia que os únicos cinco estados da federação em que os times locais são preferência são RJ, SP, RS, MG e PE? Porém, os estados de Minas Gerais e Pernambuco em breve terão mais torcedores de times do eixo Rio-São Paulo. Em MG, por exemplo, a maioria das pessoas da região de Juiz de Fora torce por times cariocas. Já no sul de Minas, a preferência é por clubes paulistas.



Hoje, qual o assunto mais falado no futebol brasileiro? Neymar, claro. O menino é mesmo um craque de bola, faz coisas que há muito eu não via no nosso país (ok, exceto na seleção). E ele vende. E vende muito. Tanto que os jogos do Santos passaram a ser mais transmitidos. Com todo esse burburinho sobre o time da Vila, a nova geração de torcedores é, em sua maioria, santista. Há sempre interesses atrás de tudo no mundo do futebol e da mídia, que por sinal, andam juntos. Ou despontar um novo craque. Ou formar um novo ídolo. Ou fortalecer a imagem de um clube.

Mas como escolher o time do coração? Isso é uma escolha racional? Deveria ser. Uma escolha de identificação. Escolher o time com o qual eu mais me identifico. Mas isso não é uma tarefa fácil no mundo em que vivemos. Tudo o que nos rodeia tem um porquê, tem um interesse. E aqui temos a obrigação de ter um time desde crianças, não podemos ser “vira folha” (ou “vira casaca”, dependendo do estado).
A mídia é um cerco muito grande na nossa vida. O futebol, um meio de entretenimento, de diversão, uma forma de ficar feliz, se distrair, na verdade não tem nada de inofensivo. O futebol e a mídia andam juntos, lado a lado, eu diria de mãos dadas. O “esporte bretão” pode sim ser uma diversão imensa nas nossas vidas, basta tentarmos fazer as nossas próprias escolhas.

*Neste texto eu poderia falar sobre a criação de ídolos altamente vendáveis, sobre a identificação cultural das torcidas e sobre o faturamento dos clubes, mas esses assuntos ficarão para próximos posts! 


Foto extraída do blog de Tomaz Azevedo