segunda-feira, 1 de julho de 2013

Futebol - paixão nacional

Antes de começar a escrever este texto eu quero deixar uma coisa bem clara: eu adoro futebol! Adoro assistir aos bons (e nem tão bons assim) jogos da Libertadores, sempre fui fã da seleção brasileira, mesmo quando ela não estava em alta como agora, e torço muito pelo meu time do coração (meu coração, aliás tem um espaço para o Galo, que também me faz torcer bastante). Dito isso, vou começar a tentar explicar meu ponto de vista.

O futebol, como esporte, é realmente muito empolgante. Assistir a um jogo bem jogado, com toques bonitos de bola é muito prazeroso! Ver o Neymar e o Messi em campo é quase uma sinfonia, é arte. É como uma banda de jazz, no momento daquele solo tão esperado e tão inacreditavelmente bem colocado. É como uma pintura que mistura cores tão diferentes e fica tão harmoniosa e transmite tanta beleza.

O grande problema é o que o futebol representa como um todo. Existe a questão do lucro, com transações milionárias, gastos exorbitantes e jogos superfaturados e existe também a questão da manipulação, já que o futebol gera uma paixão incontrolável e paixão incontrolável nunca deixa a gente em sã consciência.

Há bastante espaço no nosso cérebro para as duas coisas: sermos críticos e gostarmos do futebol. Mas novamente afirmo, devemos ser críticos. O que é ser crítico? É acreditar que a seleção brasileira representa nosso país? É acreditar que eles estão ali por amor à amarelinha? A "culpa" não é do esporte em si, mas do que ele se tornou, de tudo que vem junto quando falamos sobre o futebol. Ninguém é menos brasileiro do que o outro só porque não torce pela seleção ou porque não gosta de futebol. E também digo ao contrário. Ninguém é mais inteligente que o outro só porque tem esse senso crítico. O futebol se tornou uma “entidade” na cultura brasileira. Nossa identidade de brasileiro foi construída através do futebol e essa característica já está arraigada, é difícil pensar diferente. Os jogadores, parte desse mercado, não são os vilões. Eles estão trabalhando, fazendo o que mais gostam: jogar futebol. Mas é impossível negar que eles acabam se tornando mais uma ferramenta de manipulação; não por eles. Sócrates, um lúcido no meio de tanta cegueira, disse certa vez: “A ignorância dos jogadores é estimulada pelo sistema. A ele não interessam profissionais com possibilidade de crítica”. O futebol deixou de ser esporte pelo esporte.

Desde que você tenha consciência de que algo aliena, todas as ferramentas “alienantes” tem seu efeito amenizado. Conseguem me entender? Se eu vejo novela, jornal do PIG (Partida da Imprensa Golpista), Big Brother ou futebol e não tenho consciência do perigo dessas ferramentas de manipulação, eu fatalmente vou me tornar um manipulado. Porém, se eu assisto e sei que aquilo é porcaria/ópio/ferramenta de manipulação/etc e eu estou usando como entretenimento, ótimo, chegamos ao ponto. Temos que nos livrar um pouco da carcaça de fã do futebol para tentar entender o que ele representa. Quando estamos envolvidos numa paixão é difícil compreender porque estamos tão envolvidos. Mas porque o futebol é uma paixão nacional? Nós nascemos amando o futebol ou isso é algo criado? Vou tentar dar um exemplo. Aqui no Brasil criou-se uma máxima de que “o brasileiro é apaixonado por carros”. Mas será que é mesmo? Será que o brasileiro não gosta tanto de Fórmula 1 porque a Globo transmite o esporte nas manhãs de domingo? Será que se nunca tivesse passado uma corrida de F1, com narração do Galvão, essa “paixão” seria natural? Nada é natural, tudo é naturalizado. Ninguém nasce amando carros ou amando futebol. Isso tudo é inserido na nossa cultura e claro, algum objetivo tem.

Em 1970, que alegria, Brasil tri campeão do mundo. Mas enquanto isso, a ditadura militar comia solta e o sentimento de nacionalismo pela seleção foi incentivado pelo governo e pela mídia, para tentar amenizar as dores causadas por um período de tanto sofrimento. Torturas, prisões, espancamentos, e Carlos Alberto levantando a taça no México, "dando alegria" para o povo brasileiro. Na Argentina em 78, a história se repetiu e Blatter, após um comentário do secretário geral da FIFA que disse que democracia demais atrapalha a Copa, fez a seguinte declaração: "A minha primeira Copa do Mundo com envolvimento direto foi a da Argentina, e eu diria que fiquei feliz com o título dos argentinos. Houve uma reconciliação do povo com o sistema político militar da época". O sistema político a que ele se refere é a ditadura militar.

Ontem, dia 30 de junho de 2013, foi a final da Copa das Confederações. Enquanto quase 80 mil pessoas estavam dentro do Maracanã torcendo pela seleção, outros milhares estavam do lado de fora protestando contra os gastos absurdos do país com a Copa. E não venham me falar que esse dinheiro é só da iniciativa privada, pois não é. O governo financiou estádios para empresas (que vão ou não pagar - não sabemos), liberou verba extra para gastos que não estavam previstos, aumentou o gasto com PAC, além dos gastos das próprias cidades-sede. O nosso ilustre Ronaldo mesmo disse, em 2011: "Hospital não faz Copa do Mundo". Essas pessoas que estavam do lado de fora protestando queriam chegar perto do Maracanã para o protesto ser mais visto, para ter mais repercussão, mas foram brutalmente barradas pela polícia carioca, que, aliás, eram 11 mil homens nas ruas. Bombas, tiros, sprays, tudo isso pra não deixar o povo (que por mais que fosse minoria, representa muito mais a realidade do que quem estava dentro do estádio) chegar perto do Maracanã. Esse pessoal que apanhou da polícia só para não chegar perto dos estádios "da FIFA" são tão brasileiros quanto os que estavam torcendo dentro dos estádios. São tão brasileiros quanto eu ou quanto você. Ali há uma reclamação válida e importantíssima, pois nosso país é largado às traças, a saúde está abandonada, os hospitais estão sem recurso, as escolas sem materiais didáticos e estrutura. Mas, quando o assunto é futebol, queremos nos mostrar como um país justo e cheio de dinheiro. Eu não consigo ficar feliz em ver como o Maracanã ficou lindo. Sim, ele ficou lindo, espetacular. Mas pra fazer o Maracanã, muita gente foi sacrificada. O dinheiro que poderia ter ido para o tratamento da menina da favela que está doente foi para o assento do estádio; os índios foram expulsos do Museu do Índio, que agora vai ser transformar em Museu Olímpico. Muita gente foi prejudicada para a construção dos estádios da Copa e o país não teve melhorias, como prometido. Por isso eu não consigo ficar feliz vendo a seleção sendo campeã, por mais que eu vibre com os belos gols de Fred e Neymar. Pois quem está sendo campeão é um sistema de segregação, que traz miséria, que traz sofrimento, mas que só mostra alegrias em forma de gols e vitórias.

Além de tudo isso, há muita corrupção no mundo do futebol. A corrupção no Brasil não é exclusiva dos políticos. CBF, FIFA, Ricardo Teixeira, comissão na venda de jogadores, são alguns dos assuntos que envolvem esquemas de corrupção e enriquecimento, pois afinal, o futebol se tornou um mercado. A FIFA, que é uma entidade "sem fins lucrativos", hoje soma 3 bilhões em caixa. E para alguém ter 3 bilhões em caixa, outras pessoas têm que ter nada. E olha, se tem um povo que tem pouco em caixa e em serviços básicos, como saúde, educação e transporte, é o povo brasileiro. Somos um povo abandonado, o “público” é sempre abandonado. O privado é sempre valorizado. O nosso futebol se tornou uma projeção do que queremos ser e não do que somos. Nós não somos esses estádios lindos da Copa. Nós não somos esse sistema de segurança absurdo que tem em grandes eventos. Nós não somos tão felizes quanto parecemos nos filmes da FIFA.


Sim, você tem todo o direito de torcer. Mas torça sabendo que a seleção não é um símbolo de patriotismo. Ninguém é mais brasileiro por amar a seleção brasileira. Sim, você pode torcer e ser crítico ao mesmo tempo. Mas faça isso com lucidez. Não se cegue diante de um belo gol ou de uma bela atuação, pois eles são irresistíveis. O futebol é irresistível e esse é o maior perigo.

Foto: AP Photo 
Entorno do Maracanã enquanto acontecia o jogo da final da Copa das Confederações

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Ótimo texto!!
    Espero que as pessoas após lerem, abram suas mentes e percebam que nem tudo é como parece ser!!!

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  3. Parabéns Sah!!!
    Ficou na medida certa!!!!

    Que a criticidade venha junto com as mudanças!!!

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