Não há como negar que vivemos em uma cultura do ódio, com
esse sentimento se firmando e reafirmando cada dia mais na nossa sociedade.
Seja o ódio político, o ódio estrutural, o ódio social e outras tantas formas de
diminuir as minorias que em números compõem majoritariamente o nosso país.
Aí entra o nosso personagem. Felipe Melo. Negro. Jogador de
futebol. Vítima de racismo. De origem humilde. Cristão. Polêmico. Raivoso. Desprezado pelos
brasileiros após o fracasso na Copa. Esquecido. Que retornou. Que repentina e
inexplicavelmente virou ídolo.
Estou há alguns dias pensando sobre Felipe Melo. O quanto me
incomoda Felipe Melo. O quanto me assusta Felipe Melo. E o quanto é perigoso
Felipe Melo se declarar eleitor de Jair Bolsonaro.
Foto: Agência Brasil
De volta ao futebol nacional pelo Palmeiras, o
atleta causa polêmicas entre as quatro linhas e fora delas. Suas declarações são
geralmente relacionadas ao discurso comum do ódio: “vou dar porrada”, “se tiver
que dar tapa na cara”, além de comentários machistas desde a época em que jogou
na seleção brasileira. O temperamento do meio-campista já era conhecido por quem acompanha futebol, mas
ultimamente ele tem deixado claro seu posicionamento político. Em uma
ocasião se declarou favorável aos militares. Após a greve geral chamou de
vagabundo as “pessoas que querem
tumultuar o nosso país”. Por fim, declarou apoio a Jair Bolsonaro.
Cada um tem direito ao seu posicionamento pessoal, independente da
profissão, cor ou orientação sexual. Mas qual o perigo de um novo ídolo
de um time tão importante declarar apoio a um homem que brada abertamente contra gays, mulheres, negros,
indígenas e qualquer outro tipo de minoria? Bolsonaro é a representação real do
ódio na sociedade. Bolsonaro é a representação da intolerância, do machismo, da
homofobia, da transfobia. Apoiar Bolsonaro é apoiar o ódio, é apoiar a luta
contra os direitos dos que podem menos.
Os discursos de Bolsonaro e Felipe Melo são alinhados, andam
juntos, lado a lado. É o discurso do ódio, da raiva, de resolver na briga, de
não pensar no outro. É o discurso da intolerância, do clichê, do lugar comum. Da falta de amor, da falta de olhar pro lado, da ausência de empatia.
Mas sabe aquela história do oprimido que quer se tornar
opressor? Felipe Melo entende que ele é um negro apoiando um homem que disse
que “negros quilombolas não servem pra
nada, nem para procriar”? Felipe Melo entende que ele é um cristão que apoia um
homem que “seria incapaz de amar um filho homossexual”? Felipe Melo entende que
veio de origem pobre e está ao lado de um sujeito que afirma que “parlamentar
não deve andar de ônibus”?
O futebol muitas
vezes cega. Ganhar meio milhão de reais por mês cega. Ter morado em vários países e
falar várias línguas cega. Viver rodeado de gente influente, rica e poderosa
cega. Mas a realidade continua ali. Escancarada, sem vendas nos olhos. Enquanto o ídolo apoia um sujeito que clama
pelo que há de pior na sociedade, o fã ocupa o lado oposto. Vive na pele o que
há de pior. Tem seus poucos direitos diminuídos. Tem sua liberdade cerceada.
Tem sua dignidade colocada à prova, dia a dia.
O que se resolve em
campo? O que vai para fora dele? A construção de um ídolo é algo que vai muito além do gramado e que rege
fortemente a vida do torcedor. É possível desconstruir os valores em detrimento
de uma paixão? É possível ver a postura do jogador em campo e não compará-la
com a postura fora de campo? É possível separar o atleta da pessoa? É possível
separar futebol e política? Para mim todas as respostas são “não”.
Por fim, deixo uma importante pergunta até então sem resposta: é necessário e possível escolher um lado?
*Depois de muitos anos voltei a escrever sobre futebol. Até
tentei ficar longe dele, mas fui puxada de volta porque tem tanta coisa dando
errado que ficou impossível não comentar! ;)
Nenhum comentário:
Postar um comentário