segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Sobre fanatismo e chuteiras

Fico me perguntando: por que num país onde o futebol é exaltado e tratado com um fanatismo exacerbado as pessoas se chocam quando se deparam com cenas como as que aconteceram em Joinville no jogo entre Atlético/PR e Vasco? Por que num país, em que dizem, é a “pátria de chuteiras” as pessoas ficam indignadas quando algum torcedor morre depois de brigas entre torcidas? Por que no país que tem como a maior referência ser cinco vezes campeão do mundo no futebol a população não entende como as torcidas organizadas são tão violentas?

O fanatismo pelo futebol é um problema muito sério. Aliás, o fanatismo por qualquer coisa. Mas pelo futebol é especificamente perigoso. Esses fanáticos não têm outra vida: vivem pelo time, se for preciso morrem pelo time, ou mais ainda, matam pelo time. Mas será que a culpa é totalmente deles? Vivemos numa sociedade de desigualdades. Enquanto uns tem muito com o que ocupar a mente e o corpo, outros não têm quase nada. E, muitas vezes, a estes resta se dedicar a ser torcedor, a construir sua identidade em torno desse rótulo. Mas o que é ser torcedor, por que ser torcedor? Não dizem que futebol é entretenimento? Sofrer, chorar, brigar, tudo isso já passa da linha do entretenimento e chega num ponto delicado, em que muitos homens e mulheres se encontram nesse exato momento.

 Foto: Site ESPN

O que vem dando errado no futebol brasileiro?

Fomos construídos numa sociedade em que somos obrigados a gostar de futebol, a escolher um time para torcer. E desde pequenos ouvimos que “o Brasil é o país do futebol”. Além disso, duas vezes por semana são transmitidos na TV aberta jogos de futebol, nos noticiários se fala sobre isso a maior parte do tempo. E também, em cada esquina tem meninos jogando futebol, falando sobre futebol, querendo ser jogador de futebol. Temos músicas falando sobre a paixão pelo futebol, filmes, personagens de TV. Como não acreditar nisso? Não tem como se desvencilhar. Fomos construídos assim e cabe a nós tentar nos libertar.

Essa libertação do fanatismo pelo futebol é muito difícil, principalmente para os homens. Homem que não tem um time do coração é “menos homem”. E quando faz parte de uma torcida organizada esse homem se sente ainda mais poderoso, é capaz de tudo pelo clube. Se esse homem é de uma classe social mais desfavorecida, o fanatismo costuma ser ainda maior. A vida deles é o clube do coração. Como futebol é, pelo menos na teoria, um esporte barato, de fácil acesso, homens de classes sociais mais pobres são facilmente atingidos por esse meio de dominação. Porque não dá pra negar que o futebol é uma forma de dominação de classes no nosso país. Temos uma massa de trabalhadores que gasta toda a sua energia com o esporte, torcendo, assistindo, indo ao estádio, jogando... Essa mesma massa não têm tempo e nem disposição para pensar na sua condição, sua condição de explorado que não diminui apenas por sermos o país do futebol.

Antes de nos chocarmos com cenas tristes e lamentáveis como as do jogo entre Atlético/PR x Vasco temos que nos chocar com o nosso vizinho que trata mal a mulher dele quando o time perde, temos que nos chocar com nosso parente que entrou em depressão quando o clube foi rebaixado, temos que nos chocar com aquele amigo que se preocupa mais com o jogador do seu time do que com o morador de rua que vive do lado da casa dele. Não podemos naturalizar essa ideia de que somos o país do futebol e nascemos com isso no sangue. Podemos curtir, vibrar, torcer, mas nunca naturalizar. Enquanto o fanatismo por futebol existir e for constantemente alimentado, brigas, choros e mortes também vão existir, manchando cada vez mais o que chamam de “paixão nacional”.