quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O culto do macho

Sempre gostei muito de futebol, desde pequena. Filha única de um pai apaixonado pelo esporte, cheia de primos que jogavam bola e assistiam às partidas e vivendo em uma família que sempre discutiu sobre o esporte bretão. Fui fisgada e passei a fazer parte desse “culto” que é o futebol.

Primeiro passo: escolher um time. Na minha família há atleticanos, cruzeirenses, vascaínos, flamenguistas e meu pai, botafoguense. Pendi para o lado do Galo (que tenho um carinho enorme até hoje), mas fui escolhida pelo Botafogo, time mais charmoso do Brasil. Segundo passo: saber sobre futebol. Porque não adianta nada falar que gosta e não saber o que é impedimento e nem qual esquema tático o treinador do seu time está usando. Mas, como tudo na vida, se a gente vê sempre, está sempre em contato, acaba aprendendo.

Só que no meio disso tudo há um detalhe: sou mulher. E heterossexual. E fazer parte desse “culto do macho” sendo uma menina hetero é quase uma ofensa para os garotos e para a sociedade. Várias vezes fui chamada de sapatão (que antes eu considerava uma ofensa!),  me falavam que mulher deve gostar de dança, maquiagem e cozinha e não de futebol, enfim, sempre tentaram me deixar fora do “culto”, mesmo eu gostando e sabendo mais do esporte do que a maioria dos meninos.

Por que eu estou falando tudo isso? Porque queria contextualizar como o futebol é um meio machista. Não aceita mulheres, só homens! “Homem que é homem gosta de futebol!”. A primeira vez que meu namorado foi visitar minha família a primeira pergunta que fizeram pra ele foi: “Pra que time você torce?”. A resposta? “Brasil”. Sim, ele não torce por nenhum time (nem para o Brasil, na verdade rs) e isso para a minha família soou com grande estranheza, “como assim um homem não ter um time do coração?”.

E os gays, como ficam nessa história? Não ficam, simplesmente. Os gays não tem lugar no futebol. Os xingamentos nesse esporte são todos relacionados à escolha sexual: se o jogador cai muito é “mariquinha”, se é vaidoso é “viadinho”, a torcida rival chama os adversários de “Maria” (e olha que eu nem vou entrar no assunto dos xingamentos e atos sexistas, que também são muitos no mundo do futebol!). Sério gente, em 2013, vocês ainda acham que isso é bacana?

Aí vem Emerson Sheik, ídolo da torcida do Corinthians, o supra sumo do macho alfa, sempre rodeado de mulheres, carrões e festas, e publica na internet uma foto dando um selinho em um amigo. Um selinho. Em um amigo. Meu Deus, quanta polêmica. Meu Deus, pra quê tanta polêmica? Mas tudo bem, aconteceu e temos que tentar entender o porquê de tanto espanto. 


Como eu já disse, o futebol é um esporte machista e quando falamos machista, ele está deixando à margem tudo o que não for considerado homem. O torcedor, tomado pelo fanatismo (já debatido em outro post), acha que o time dele e seu elenco são um espelho da sua vida, das suas aspirações, dos seus anseios. Esse torcedor é cego, não consegue enxergar o mundo ao seu redor e só consegue ver sentido na vida se tiver algo relacionado ao seu time. Aí quando o Sheik dá um selinho no seu amigo e posta na internet ele fica revoltado, com raiva, já que aquele é o seu espelho e ele não quer ser chamado de gay.

Aí está outro ponto importante. O Sheik, hetero convicto, com filhos, namoradas, mulheres, affairs, na foto com seu amigo chef de cozinha, casado, com a mulher grávida, está sendo chamado de gay, como um xingamento. Não que isso seja da nossa conta, mas todo mundo sabe que ele não é gay. Então por que essa foto ofendeu tanto? Por que é tão absurdo assim dois homens demonstrarem carinho? Por que temos que seguir a cartilha da educação heterossexual e nos abster de provocar a sociedade?

Afinal, foi bom essa foto do beijo ter dado tanta polêmica. O que era um teste pra ver quanta conversa ia gerar, serviu como um ato político. Você se posicionar a favor de uma minoria é um ato político. Não é porque você não é gay que você não pode lutar pelos gays. Não é porque você não é pobre que você não pode lutar pela igualdade de classes. Não é porque você é homem que você não pode ser feminista. Não é porque você não é negro que você não pode aderir a causa do Movimento Negro. E por aí vai. A discussão gerada em torno dessa foto é válida para as pessoas começarem a entender que chamar de gay não é xingar, que ser gay não é ruim, que demonstrar carinho não é ruim, que tomar um partido não é ruim. Que ter preconceito é que é ruim.

Ninguém tem nada a ver com o que ninguém faz na intimidade. Não vamos procurar saber se fulano é gay ou se não é. Não vamos nos sentir ofendidos se alguém próximo da gente for gay. Vamos lutar pela igualdade. Vamos escolher ser tolerantes. E, para terminar, vou publicar o que um amigo corinthiano, o mais corinthiano que conheço, Ulisses, postou sobre tudo isso. É uma frase do Sheik:

"Cada um faz o que quer da vida."

(Marcio Passos de Albuquerque, o Emerson Sheik. Campeão mundial, campeão e autor de dois gols em uma final de Taça Libertadores contra o temido Boca Juniors, tricampeão brasileiro consecutivo, adulterou a idade, dono de uma macaca e de um carro importado contrabandeado e deu um selinho em um amigo pra ver o tanto de gente sem serviço que ficaria falando disso.)

Para ler mais sobre o assunto: